Novas formas de comunicação, redes temáticas, discussões on-line, troca de opiniões entre profissionais, especialistas e responsáveis por políticas públicas exigem não apenas dados científicos, mas responsabilidade ética, o que implica uma mudança fundamental no tratamento de questões relacionadas à política, à economia e ao meio ambiente. Como lidar com a hegemonia das soluções tecnológicas e tecnocráticas que se sobrepõem a uma abordagem ecossistêmica integrada? Há um sistema de crenças que desconsideram a complexidade da inovação e, por decorrência, perturbam o seu florescimento, dificultam o aproveitamento adequado dessa ideia-força e, por vezes, debilitam a capacidade de identificar tempestivamente os necessários cuidados mitigadores de consequências indesejáveis.
A história da inovação não começa com o economista e cientista político Joseph Schumpeter (1883-1950) nos anos 1930-40, como é habitualmente propagado. Pelo contrário, no mundo ocidental a ideia da inovação tem raízes profundas no passado distante, que se deve conhecer. Nem sempre a inovação era percebida, como é hoje, como sendo benéfica e, por conseguinte, desejável. Pelo contrário, por muitos séculos ela carregava o anátema de heresia secular, correndo os inovadores riscos de punição. A origem da valoração positiva da inovação não é a busca de maximização de lucros por parte de empresas com fins econômicos. Pelo contrário, a transformação da inovação de vício em virtude começa com a proposição da ‘inovação social’ pelos pensadores do socialismo utópico, já no primeiro quartel do século 19.

A inquisição foi um exemplo de como as novas ideias e conceitos de inovação eram consideradas heresias.
É factualmente incorreta a sabedoria convencional que estigmatiza a universidade como sendo uma instituição “enferrujada”. Pelo contrário, ela tem sido capaz de inovar radicalmente, a ponto de se reinventar, como evidenciam as chamadas “revoluções acadêmicas”. Não à toa, é preciso aprofundar o modelo em ascensão da “inovação orientada por missões”, para aproximá-lo da comunidade acadêmica e, assim, contribuir para o desejável aumento do engajamento da universidade em grandes causas assumidas pela sociedade. A propósito do Triângulo de Sábato, é sempre oportuno lembrar que a proposição de modelos para maior integração entre o mundo acadêmico, o meio empresarial e o estamento governamental tem origem na América Latina. O modelo demonstra a necessidade de um relacionamento harmônico, em cada país, entre o setor produtivo, o de infraestrutura científico-tecnológica e o Estado.
Ao governo caberia adotar um papel de liderança na promoção de projetos de alta tecnologia, contribuindo com recursos. Às universidades e aos centros de pesquisa caberia apoiar, fornecendo pessoal treinado para trabalhar nos projetos e nas empresas privadas e entidades públicas envolvidas. Ainda segundo o físico e tecnólogo argentino Jorge Sábato (1924-1983), a aplicação do modelo possibilitaria maior eficiência na assimilação de tecnologia e na exportação de bens com maior valor agregado, permitindo que a conjugação ciência/tecnologia funcionasse como catalisadora da mudança social.
“Abra a cabeça, feche a mesmice” – assim reza o slogan embalado pelo lançamento dos smartphones dobráveis da Motorola, com a cantora Gloria Groove na condição de garota-propaganda. Essa linha de economia busca nomear modelos de negócio e de gestão que se originam em atividades, produtos ou serviços desenvolvidos a partir do conhecimento, criatividade ou capital intelectual. Menos vanguardista, o mercado global de produtos criativos vem priorizando uma cultura de viés empreendedor. Pensando em inovações realmente autênticas e consistentes, qual é o problema de colocar a publicidade na frente do produto e o produto na frente do processo?

Glória Groove na campanha da Motorola
“Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes”. “Lembra-vos ainda a minha teoria das edições humanas? Pois sabei que, naquele tempo, estava eu na quarta edição, revista e emendada, mas ainda inçada de descuidos e barbarismos; defeito que, aliás, achava alguma compensação no tipo, que era elegante, e na encadernação, que era luxuosa” (Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881).
Crítico do sucesso a todo custo, Machado de Assis (1839-1908) ressalta que os “artíficios burgueses” costumam fortalecer a moda aparente e enfraquecer o estilo essencial. De maneira apelativa, estamos assistindo a emergência de termos como “economia da cultura”, “economia criativa” e “indústrias criativas”. Tais expressões, que anteriormente seriam considerados oximoros em razão da oposição histórica criada entre cultura e economia, passam a ser articuladas para atender o chamado “regime de acumulação flexível”, cujas cartas são dadas atualmente pelo sistema informático de telecomunicações. Fala-se tanto em letramento digital, mas considerando os maiores desafios do Brasil, inovar significa sobretudo erradicar a fome, combater a desigualdade social, assegurar a educação de qualidade a todos e aumentar o poder de organização e mobilização da sociedade civil.
Marcos Fabrício Lopes da Silva*
* Doutor e Mestre em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE-UFMG). Poeta, professor autônomo e pesquisador independente. Jornalista, formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).