“Homem de negócios/Fique de lado/Eu não sou um robô/Nem um computador/Nem seu criado/Não não, não não/Não não, não não/Tá legal que você é muito esperto/Pois para sustentar o seu status/Pisando e passando por cima das pessoas/Você vai colecionando/Dívidas, mau-olhados e aborrecimentos/Insônias, dor de cabeça e falsos amigos/Queda de cabelos, dores no peito/E duvidosas amantes/Parece que bebe ou é assim mesmo/Não tem solução/Não não, não não/Não não, não não/Por isso calma e prudência/Quando falar comigo/Não queira me mudar/Pois eu penso falo ouço vejo/Logo eu existo/Eu sei que sou poeta/E artesão do meu trabalho/Por natureza, que beleza/Por natureza, que beleza/Que beleza, que beleza/Que beleza…/Yeah yeah, yeah yeah/Yeah yeah, yeah yeah” – canta Jorge Ben Jor, em Homem de Negócios (1989).

O discurso capitalista e empresarial tenta negar sua responsabilidade pela nossa crise sistêmica e busca impor sua agenda mercadológica como a solução dos problemas mais urgentes, principalmente da população mais pobre e mais atingida pelo caos social. A centralidade dos problemas, como a desigualdade de renda e o desemprego, se desloca da esfera das questões econômicas para a esfera da vida privada de cada um. Dessa forma, temos presenciado a propagação em massa da palavra “empreendedorismo” como sinônimo de solução, modernidade e progresso, principalmente no que diz respeito aos rumos da educação pública e da formação de jovens. A exaltação da lógica do empreendedorismo na sociedade atual busca afirmar que, ao exercer essa função, o sujeito está acima das relações das classes sociais. Para os adeptos da solução através do “empreendedorismo”, não importa que se trate de um trabalhador assalariado ou de um capitalista, todos têm que ser educados para exercer a função empreendedora. Para isso, basta ter “força de vontade”, “determinação”, “flexibilidade”, “resiliência”, “proatividade”, “persistência” e “iniciativa”. Pois é o sujeito em sua singularidade o único responsável pelo seu sucesso ou o seu fracasso econômico.

Para compreendermos o que a ideologia capitalista e neoliberal propaga hoje como empreendedorismo, é necessário observar como a colaboração da chamada corrente austro-americana – nas figuras de autores como Ludwig von Mises (1881-1973) e Friedrich Hayek (1899-1992) –, é utilizada como base das concepções de ódio ao Estado e crença cega no funcionamento do mercado como sinônimo de liberdade e bem-estar. Seguindo a linha de raciocínio, é possível notar que o empreendedor é o único ser social possível dentro da perspectiva mercadológica proposta.

Não é à toa que essa ideologia do empreendedorismo aparece em comunhão direta com o avanço conservador em todo o mundo, acompanhado da retórica do perigo comunista (através do marxismo cultural) do Estado e pela adesão irrestrita a uma agenda ultraliberal, mercadológica, que tem como objetivo a privatização total da vida e a transformação de todos os sujeitos em empresas de si mesmos, educados pelas leis do mercado e atentos a qualquer oportunidade de lucro. O sujeito, em uma jornada solitária e sem apoio de ninguém, a não ser a sua própria perspicácia mercadológica, deve ser, necessariamente, adepto da ordem e totalmente alienado quanto às contradições estruturais do capitalismo.

A tal solução empreendedora é, portanto, aquela que ensina, desde cedo, o sujeito a se virar sozinho, não depender de ninguém, se alienar politicamente e construir sua própria história de fracasso ou de sucesso. O empreendedor é o modelo a ser seguido. O homem de negócios seria o exemplo de sujeito high-tech, ou seja, antenado às novas tendências mundiais. Ignora-se completamente a brutal desigualdade social em que estamos inseridos. Ao reafirmar equívocos como a ideia de meritocracia, a face real do empreendedorismo é muito mais problema do que solução para os tempos futuros.

Por fim, vale reafirmar os objetivos da ideologia do empreendedorismo atualmente: o desejo de convencer a todos que estamos em uma sociedade sem contradições estruturais, na qual o Estado é a raiz de todos os problemas, o trabalhador precisa se transformar na sua própria empresa e é cruelmente responsabilizado pelo seu futuro. Essa ideologia cumpre a função social de intensificar as desigualdades, reafirmar o existente e consolidar a hegemonia empresarial e mercadológica sobre o conjunto da sociedade.

No momento da celebração do indivíduo empreendedor, interessado em possuir sempre mais em meio a uma sociedade de mercado autorregulado, a ética do cuidado se apresenta mais importante ainda para a compreensão e constituição da pessoa ética, e da possibilidade de uma organização humana mais tolerante, menos violenta. Para aplacar um sentimento coletivo de descontentamento generalizado com os destinos produtivos do planeta, nunca foram tão necessários o cuidado (dentro de um ideário republicano, dos direitos humanos, e na perspectiva da afirmativa dos direitos) e a conexão humana (frente a alteridade, a pluralidade, a diversidade e a empatia).

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

* Doutor e Mestre em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE-UFMG). Poeta, professor autônomo e pesquisador independente. Jornalista, formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

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