(Andréia de Oliveira)

O filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, é uma obra que dialoga de forma incisiva com o Brasil contemporâneo e suas complexidades políticas, ao mesmo tempo que revisita um dos capítulos mais dolorosos de sua história recente: o sequestro e assassinato do ex-deputado Rubens Paiva durante a ditadura militar, em 1971. Rubens Paiva teve seus direitos cassados em 1968 pelo AI5 – Ato Institucional número 5, um dos instrumentos mais repressivos da ditadura no Brasil. O Roteiro do longa, inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva, publicado em 2015, transcende a narrativa histórica para se tornar um alerta poderoso sobre a fragilidade da democracia, especialmente em tempos marcados pela polarização, a exemplo da tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2022.
O Brasil de 1971 e o Brasil de Hoje: Uma história que ecoa
Ambientado em 1971, o filme retrata a brutalidade do regime militar, que, em nome de uma falsa estabilidade, silenciava vozes dissidentes, violava direitos humanos e ocultava seus crimes sob um manto de censura. O desaparecimento de Rubens Paiva é um exemplo simbólico e devastador da arbitrariedade da ditadura, e Walter Salles consegue, com sua sensibilidade habitual, trazer essa história para as telas com um equilíbrio entre a dor e a resistência.
Contemporizando o enredo, é impossível não fazer um paralelo com os tempos atuais. Mesmo após a redemocratização de 1985, o Brasil ainda enfrenta desafios graves para consolidar sua democracia. O golpe do impeachment da então presidenta Dilma Roussef, a disseminação de Fake News sobre os resultados das urnas, e principalmente a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2022, quando extremistas de direita atacaram os três poderes em Brasília, são lembretes de que as ameaças autoritárias não ficaram no passado. Assim como nos “anos de chumbo” da ditadura, vivemos um momento em que o discurso de ódio e a intolerância buscam enfraquecer as instituições democráticas.


A Importância do Filme para o Brasil atual
A força do filme está na atuação impecável de Fernanda Torres, que interpreta Eunice, esposa de Rubens Paiva. Torres entrega uma performance intensa e comovente, traduzindo a dor e a força de uma mulher que viu sua família ser dilacerada pela violência do Estado. Sua atuação, que lhe rendeu o Globo de Ouro neste ano, consolidou-a como uma das maiores atrizes brasileiras da atualidade. As três indicações de “Ainda Estou Aqui “ao Oscar de Melhor Atriz, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Filme é um marco histórico para o cinema brasileiro; com atuações inesquecíveis de Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, como Eunice Paiva, Selton Melo, como Rubens Paiva, e a direção sensível de Walter Salles. O filme emociona ao trazer à tona feridas ainda abertas pela ditadura, conectando passado e presente com maestria. É um reconhecimento do talento nacional na esfera mundial, suscitando a importância de nunca esquecer a história e de resgate do valor da arte brasileira, tão perseguida e diminuída pelo último governo.


A participação de Fernanda Montenegro, como a Eunice já idosa, é brilhante. Ver mãe e filha dividindo um papel tão significativo é um momento histórico no cinema brasileiro. Walter Salles, 25 anos após dirigir Fernanda Montenegro em Central do Brasil, volta a trabalhar com ela e sua filha, Fernanda Torres.
Salles é mestre em explorar as nuances das emoções humanas e o contexto histórico que moldam suas personagens. Em “Ainda Estou Aqui”, ele transforma a história de uma família devastada pela ditadura em um relato universal sobre resiliência e memória.
Salles retrata a família do ex-Deputado Rubens Paiva com uma sensibilidade que transcende o contexto político. A mãe, Eunice Paiva, interpretada com maestria por Fernanda Torres, é mostrada como uma mulher forte e tranquila, enquanto a dinâmica familiar reflete a rotina cotidiana de afeto, desafios e alegrias compartilhados. Além das posições políticas do marido, a narrativa destaca a humanidade dessa família, que sofre e resiste como qualquer outra, expondo o impacto brutal da ditadura na vida privada e nas relações mais íntimas. É uma obra que humaniza a história.

A trilha sonora do filme é marcada pela música potente “É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo”, composta por Erasmo Carlos durante os anos de repressão. Escrita em um contexto de censura e medo, a canção é um grito de esperança e resiliência, que, décadas depois, está na trilha desse filme, permanece assustadoramente atual; reforça a ideia de que, enquanto houver luta, a democracia poderá resistir. A música é apresentada em momentos relevantes do filme, provocando no espectador, mesmo aquele que não tem a compreensão real do período de ditadura no Brasil, um elo emocional entre passado e presente, evidenciando que a arte continua sendo uma forma poderosa de resistência.

“Ainda Estou Aqui” é mais do que um filme sobre os horrores da ditadura. É um chamado à reflexão em tempos de incertezas democráticas. O Brasil está marcado pelas consequências do negacionismo e da polarização extrema, por isso, precisa de histórias como a de Rubens Paiva para lembrar que a liberdade e os direitos não são garantias eternas, mas conquistas que precisam ser defendidas continuamente.
Com atuações inesquecíveis de Fernanda Torres, uma direção sensível e potente de Walter Salles e uma trilha sonora que resgata o espírito de resistência, “Ainda Estou Aqui” é uma obra-prima que combina o íntimo e o coletivo, o passado e o presente. Em tempos de crises políticas e sociais, o filme não apenas emociona, mas também educa, reafirmando a necessidade de manter viva a memória de um Brasil que lutou — e ainda luta — pela democracia.
Ainda estamos aqui!
Por Andréia de Oliveira
Leia mais matérias da colunista Andréia de Oliveira – na “Coluna Sala de Cinema – Portal Libertas News”
Vá ao cinema, prestigie a arte, prestigie o cinema nacional. O filme “Ainda estou aqui está nas principais salas de cinema do Brasil”.
Ficha técnica do filme Ainda Estou Aqui:
- Nome original: Ainda estou aqui
- Gênero: Drama biográfico
- Direção: Walter Salles
- Duração: 136 minutos
- Ano de Produção – 2024
- Distribuição: Sony Pictures
- País de origem: Brasil e França
- Elenco: Fernanda Torres, Fernanda Montenegro e Selton Mello

Trailler oficial do filme “Ainda estou aqui”
Maravilhoso seu texto Andréia, aliás como sempre você arrasa.
Contextualizando com maestria a sétima arte com abordagens sociais e política!!!!
Andréia li a sua crítica ao filme e agora me peguei chorando. Pois foi tudo de uma inteligência e sensibilidade que fica impossível ler sem se envolver e sem emocionar. Realmente a história é feita de lutas. Parabéns por esse texto impecável. E obrigada.
Obrigada Ângela , precisamos sempre estarmos atentos e fortes vó. A democracia brasileira .
Parabéns Andréia! Impossível não se emocionar com este filme e com o momento que temos vivido atualmente politicamente, não só no Brasil, mas em outros países. Estou na torcida para que todos os brasileiros consigam ir ao cinema, que nem sempre é acessível. Que a nossa história continue sendo lembrada infinitamente e que consigamos construir um Brasil melhor e democrático.
Obrigada Berê !
Sempre devemos estar atentos e fortes no Brasil pela democracia e direitos.
Obrigada Berê !
Importante estarmos sempre atentos à democracia e aos nossos direitos !!!
Excelente a matéria. Densa, sem ser panfletária. Parabéns.
Parabéns, Andréia! Matéria excelente, cirúrgica. Aborda os aspectos principais e necessários do filme. Aguça nossa sede de ver o filme! Você sempre se superando! Quem não ler, perde muito. Foi demais sua coluna!!! Bravoooo!!!
Andréia, parabéns pela coluna! Comentários cirúrgicos sobre aspectos fundamentais do filme. Sempre precisa! Você se supera sempre! Essa foi demais! Bravo, bravô!!!
Parabéns Andréia pela matéria. O conteúdo do texto foi abrangente com eficiência. 👏👏👏👏