O dia 11/02/2025 parecia somente mais uma terça feira comum a toda semana. Mas, eis que o encerramento da temporada do espetáculo “Sapato Bicolor”, protagonizado por Fabiano Persi, mudou todo o contexto de percepção daquela data. O Teatro Marília, localizado à Avenida Alfredo Balena, 585 – Santa Efigênia, Belo Horizonte, foi testemunha e palco da vivência inexplicável que se deu naquela noite. A apresentação teatral se transformou em um fato histórico da Cena Black Music de BH. Além da performance impactante de Fabiano Persi, que interpreta de forma muito real e viva o personagem James, O Engraxate, a energia foi amplificada com a presença fenomenal de várias figuras do cenário da Soul Music. De Venda Nova ao Barreiro, estavam grandes nomes dessa cultura que tem uma efervescência gutural em todas as regiões da cidade.

O espetáculo Sapato Bicolor traz em seu enredo, além da história da influência da Soul Music na juventude dos anos 70, maior naquela época, onde tudo começou, mas que perpetua até os dias de hoje, na capital mineira e região metropolitana, formando adultos e adultas conscientes do seu papel na sociedade e de como esta os trata de maneira displecente, desrespeitosa, os tornando quase invisíveis no dia a dia, porém eles revertem essa lógica, através do Movimento Black Music se transformam em artistas, dançarinos e dançarinas que desafiam a dialética de uma elite aristocrática e ocupam seus espaços, demonstrando todo o vigor da dança, da vestimenta, do estilo e principalmente da vida periférica da negritude.

O espetáculo “Sapato Bicolor” retrata a vida de um engraxate, explicada através da sinopse da obra teatral: “Em uma jornada de autodescoberta, um homem reflete sobre sua existência e seu passado, entrelaçando suas memórias à vibrante Soul Music. Ao encontrar na dança um meio de expressão e resiliência, ele revive lembranças que moldam sua trajetória. Em um mundo que frequentemente ignora os invisíveis, ele descobre nas pistas de dança não apenas seu orgulho, mas também a força para seguir adiante. Através de sapatos que carregam sua história, ele navega entre o cotidiano e a celebração, buscando o sentido da dignidade e da conexão”.

Sapato Bicolor tem como personagem principal da trama o engraxate James, interpretado por Fabiano Persi, com participação especial do ator Cláudio Márcio e direção de Polyana Horta. O ator Fabiano disserta sobre a concepção da obra: “Eu sou ator há 25 anos, e em um dado momento da vida, com pouco mais de 20 anos, conheci o Baile da Saudade através de um amigo, que me levou à Venda Nova e eu me apaixonei pelo lugar, pelo movimento, pela dança, pelas pessoas e pela teatralidade espontânea das Sisters e dos Brothers. Eu também me senti tocado por que me remeteu à minha juventude de uma forma bem forte, por conta do Brown que dançávamos na época. Essa passagem me influenciou bastante, criando uma identidade própria e todo mês ia ao Baile da Saudade. Naquele espaço havia algo que transpassava para além do evento, uma diversidade plural, com uma música de muita qualidade, contagiante, que é a Soul Music. O embrião do Sapato Bicolor, é gerado a partir de um convite para participar de um projeto de nome La Movida, que consistia em apresentações de 15 minutos em um espaço bem pequeno, onde funcionava um bar e eram produzidas microcenas exibidas em salas, para no máximo 15 pessoas, como se fossem quartos de uma casa. Como não tinha uma coisa pronta, então pensei em contar a história da minha paixão pela Black Music. A responsável pelo projeto aprovou a ideia e eu iniciei a concepção do roteiro junto ao amigo Edu. Depois do sucesso nesse Projeto, ao lado de Edu Costa, e Polyana Horta, decidimos esticar o roteiro para o palco, e deu tudo muito certo, e assim surgiu a trajetória do “Sapato Bicolor”.

O espetáculo Sapato Bicolor esteve presente na Campanha de Popularização de Teatro, com uma boa média de público, finalizando na noite do dia 11 de fevereiro, de 2025. A chamada para a presença dos Sisters e dos Brothers, deu-se através de uma busca de Fabiano e da equipe da produção por uma maior visibilidade do espetáculo, e brotou a ideia do “Engraxate James” ir até a casa dos personagens reais, os quais foram inspiração para a sua criação, entrevistá-los, na simplicidade do seu cotidiano, ao final eles transvestindo-se em dançarinos, dançarinas, tudo registrado em vídeo e divulgado no instagram do Sapato Bicolor. Essa ação culminou no sucesso do projeto nessa temporada, que pela primeira vez contou com a presença das Sisters e dos Brothers, e segundo o ator, foi um estrondo. “Foram noites incríveis, de troca, de encantamento da plateia, ao conhecer essas pessoas, que protagonizam a vivência de uma cultura forte, de resistência e resgate, tornando a vida de muita gente mais bonita, trazendo orgulho e auto estima, mantendo viva essa cultura, que apesar de nostálgica, ela existe, persiste nas ruas e bailes da periferia, espalhados pela cidade”, conclui Fabiano.

A produtora Polyana Horta reforça a fala de Fabiano: “O Sapato Bicolor é o meu xodó. É o único espetáculo que eu faço a produção junto com a direção, por ser um projeto muito especial. Um dos principais motivos é querer dar voz a um movimento tão importante para a cidade de Belo Horizonte e que necessita de todo apoio possível, para alcançar o reconhecimento que o movimento merece. E hoje em dia o espetáculo está muito maduro, inclusive com o Fabiano realizando as entrevistas, conquistando a confiança das pessoas, de que realmente estamos com a intenção de mostrar o quão é importante o trabalho de cada uma dessas pessoas que permitem a continuidade e  visibilidade da Soul Music”.

O espetáculo toma ares de um baile com a conectividade do artista com a plateia e da reciprocidade da mesma. A obra é contagiante e leva o público a se sentir parte da história e a se apaixonar pela perspectiva de vida que James, O Engraxate, consegue, por meio da atuação brilhante de Fabiano, compartilhar com todo público.

Persi ainda conta com a participação especial de Cláudio Márcio, ator que vive o personagem na sua adolescência e o ator convidado nos conta como é essa experiência. Claudinho informa que foi chamado às pressas para entrar em cena para substituir o ator que não pôde atuar, por ser menor de idade e ele acabou assumindo de última hora a participação na peça como o “James” adolescente. E ainda diz que apesar de ouvir alguns cantores blacks, não conhecia a fundo a vivência da Soul Music, principalmente a essência vivida em BH. “Foi incrível, esses últimos dias com a presença dos/as Blacks, assistir e participar ao lado deles. Eu acabei me jogando de corpo e alma na proposta, apesar de ser somente uma participação, faço com toda verdade. Um fato interessante é que em um outro trabalho teatral descobri o meu cabelo black e foi muito propício para essa atuação, de forma natural”.

Cláudio afirma que está sendo uma honra trabalhar com o amigo Fabiano e com a diretora Polyana Horta, muito dedicada e profissional, e  toda a equipe: “Estar no meio desta galera é um ponto positivo, e estou bem feliz, gosto muito de fazer parte deste espetáculo, desejo que ele voasse mais, porque a equipe, o espetáculo e o público merecem”. Polyana corrobora com a fala do convidado especial. “Essa temporada foi fora da realidade pra todos e todas nós, por ter sido realmente possível colar com os/as Blacks. A gente fala deles, os representa, mas nessa temporada eles participaram diretamente do espetáculo, e realizamos uma homenagem com a gravação da fala deles. Inclusive reconhecido por eles, como uma das mais importantes já recebidas, por conseguir demonstrar quem e o que é realmente uma pessoa que ama a Soul Music. Seres trabalhadores, produtores, construtores, com capacidade de superação absurda, e que encontram na música e na dança um refúgio de existência e resistência. Então por todos estes motivos, essa temporada foi tão especial, e estou muito feliz e muito agradecida, por mostrar que, no teatro, o que estes artistas da pista fazem, não está esquecido, e que nos fortalece reviver todas essas emoções e fazê-los sentir que estão sendo presentificados”.      

O público presente, mais do que assitiu, participou de uma encenação que transcende o palco e invade o coração das pessoas, espalhando a energia contagiante da atuação de Fabiano Persi como “James”, embalado pelo balanço colorido da Soul Music, e a equipe, com certeza alcançou a expectativa que segundo o artista era que essa temporada desse fôlego e estímulo para decolar com esse trabalho e levá-lo a voos maiores: “Ao buscar maior alcance a nível nacional, a ideia é levar a mensagem que BH tem uma cultura genuína, que é da nossa gente, com características próprias, baseada nos anos 70, com vestimentas e estilo a caráter. O desejo é traçar uma caminhada de sucesso por todo o Brasil e até, quem sabe internacional”.

Ao final do espetáculo o público, as Sisters e Brothers, foram convidados a subir ao palco e tudo se transformou em um esplendoroso “Baile da Saudade”, como que se estivessem em Venda Nova, criaram no Teatro Marília uma apoteose Black, com muita harmonia, felicidade, êxtase, encanto e com a força da ancestralidade, pra demonstrar que a semente que foi plantada há anos gerou uma árvore frondosa que tem no espetáculo “Sapato Bicolor” um galho de resistência, repletos de frutos de esperança na continuidade do movimento Soul Black Music.

Por Elmo Sebastião – O Maior Anão do Mundo 

Fotografias – Elmo Sebastião – O Maior Anão do Mundo 

  50° Campanha de Popularização do Teatro e da Dança de Belo Horizonte. 

11/02/2025 – terça – 20horas

Teatro Marília – Av Alfredo Balena, 585 – Santa Efigênia

Classificação: 12 anos.

Duração: 60 minutos

Ficha Técnica

Atuação e concepção: Fabiano Persi

Direção: Polyana Horta

Participação especial: Cláudio Márcio

Texto e Dramaturgia: Fabiano Persi e Edu Costa

Trilha Sonora: Fabiano Persi e Marcus Frederico

Iluminação: Polyana Horta

Vídeos e Projeção Mapeada: Fabiano Lana

Concepção Cenográfica: Fabiano Persi e Antônio Lima

Cenotécnico: André Macedo

Vozes em Off: Davi Caetano e Edu Costa

Fotos: Leila Verçosa e Marco Aurélio Prates

Coordenação de Produção: Polyana Horta

Operação de vídeo,  som e luz:  Polyana Horta e Fabiano Lana

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